Sem Marina


Fecho os olhos
E posso vê-la na janela do quarto
A cortina entreaberta
A porta trancada
O coração igualmente cerrado
A ponta dos pés inexistente...

Tem o semblante triste
Igual flor que precisa de água;
A chuva rara
Faz-lhe entristecida,
Insatisfeita em sua fantasia.

Eleva as mãos desconsoladas ao peito
Parece esperar por socorro
Alguém que lhe roube da escuridão
Alguém que lhe estenda a mão
Alguém que lhe faça multidão.

Ajuda alguma não chega.
Parece repetir embaçando o vidro.
Solidão, solidão, solidão –
Mofou-lhe a fantasia.
A amargura e o dissabor

Correm-lhe soltos pela face envelhecida.
Há tempo não usa espelho
Somente o reflexo do vidro
Encena sua imagem desfigurada;

No palco da vida via-se
A triste sina da bailarina Marina
Que cedo, tinha-lhe os pés amputados.

Ainda na coxia (o seu quarto),
A bailarina Marina
Espera por plateia.

Sem aplausos
Não há espetáculo!
Ensaia palavra,
Mas bailarina é muda
Sua voz é a sua dança, Marina.

Fecho novamente os olhos
Vejo-a na janela se encostar,
Marina bailarina
Tem-lhe, agora, braços roubados,
Sorriso esfarelado,
Alma sem luz, mutilada.

Sem aplausos
Não há espetáculo!

Sem Marina
Não há bailarina...
Não há dança
Que meus olhos possam admirar.

Epífrase


Eu precisei de ti
Não pude gritar
Tinhas os ouvidos ocupados
Por sussurros outros

Eu precisei de ti
Não pude pedir colo
Tinhas os braços
Envolvidos com corpo outro

Foram tantas as noites...
A solidão me esfacelando
Aos poucos e

Eu querendo brigar
Querendo bater
Querendo matar
Até também morrer

Mas tu estavas ocupado
Fingindo ciúmes
Contando vantagens
Sendo aquecido
Por lençóis imundos
De outros linhos

Nada mais é conjugado
A primeira pessoa do plural
Não mais existe nas canções que ecoo

Tudo derrete
À tua espera
Tudo se decompõe
Quando não voltas
O céu não tece mais estrelas
Tudo é vazio

Nada mais é conjugado
Ou revelado com honestidade
Nada mais está inteiro

(E)(u)...

Desesperadamente:
Não preciso mais de ti
Ainda resta monóxido de carbono e

Tudo
Tudo
Lentamente volta ao normal
A lobotomia não concedida anteriormente
É ensaiada com extrema dedicação:
A cada dia desembrulho da memória
Tua ausência
Garrafa de conhaque e aspirinas
Postas ao lado da cama

Nada mais gira em torno
Da tua beleza quase que sagrada
Teu amor é só mais um prato de comida podre
Dei garfadas
Acabei envenenada

Recorro ao gás
e
Tudo
Tudo
Tudo
Lentamente conclui-se
Conforme desejo (t)(e)(u)

meu
.

AO PASSO DE TUDO, O INDIVISÍVEL, A DOR



Ao passo de tudo está o obscuro, o distante e impermeável
tempo de seca.
A sequidão do ventre, dos passos antes enxutos,
que sabiam por onde pisar.

Ao passo de tudo: a seca.
O recolhimento mediante ao sofrimento
imundo do inundo prazer
que se estiou e secou.

Ao passo de mim, o mundo.
O pontapé de saída. A estrada principal.
O palco.

Ao passo de tudo: a escrita.
A tinta fresca que mancha o papel de pão
escrito à luz da televisão ligada.

Ao passo de tudo: o silêncio.
A profunda sutiliza que provoca
ecos no âmago da dor.
A alma.
O contorno do ser e seu fundo falso.
O que toca nela, penetra. Queima, rasga e deixa marcas.
Ao passo de tudo, o indivisível,


a dor.